08 outubro 2008

ROTEIRO GENTE FEIA


ROTEIRO

GENTE FEIA
(2º tratamento)



CONTOS DE BAIRRO

CONTO DE HUGUERA

ADAPTAÇÃO:
Rafael F. Lima
Peu Pereira


ROTEIRO

GENTE FEIA – Conto de Huguêra
Adaptação – Rafael F. Lima e Peu Pereira

CENA 1.1 – FADE IN - EXT. - DIA -CAMPO DE FUTEBOL, GILSON JOGA BOLA.

Gilson corre com a bola, marivaldo passa correndo gritando.

Marivaldo
Passa a bola, Gilson... passa a bola, Gilson!

Gilson dribla o marcador e corre com a bola em direção ao gol. Marivaldo continua gritando.

Marivaldo
Passa a bola, Gilson... passa a bola, caralho!

Dentro da meia lua, Gilson o centro-avante moreno do time vermelho, baixa a cabeça e chuta.

Torcida
Uuuuuuuuh

Gilson volta para seu campo de cabeça baixa.

Marivaldo passa por traz dele.

Marivaldo
viado do caralho!


O juiz apita e termina o jogo, imagens intercaladas das pessoas deixando o campo e dos jogadores indo para o vestiário, Gilson sai apressado em direção ao vestiário antes de todo mundo.
[Geral do campo em contraposição com detalhes dos personagens].
A morte, vai na garupa de um homem que ajeita a arma na cintura pra subir na moto.

FADE OUT

CARTELA INICIAL COM O TITULO DO FILME.

GENTE FEIA

Créditos iniciais

CENA 1.2 - FADE IN - INT. - DIA. DENTRO DO VESTIARIO DO CAMPO.

Os jogadores andam para o vestiário conversando. O camisa três lamenta.

Camisa Três
Se aquele último chute do Gilson tivesse entrado, já pensou?




Marivaldo, o baixinho da camisa sete, vermelho, aparentando estar mais irritado do que dentro de campo, vociferou:

Marivaldo
Se aquele porra do Gilson tivesse soltado a bola, eu tinha guardado pelo menos um!

Di
Valdinho, se você jogasse tanto quanto fala, teria feito pelo menos dois.

Disse Di, o negro da camisa dez, capitão do time.

Di
O cara me deu o passe pro primeiro gol, fez o segundo e você ainda quer cornetar o cara?

Marivaldo anda em direção a saída do vestiário:

Marivaldo
Agora você vai ficar defendendo o Gilson... dá o cu pra ele também, Di!

Gilson bloqueia sua saída com o braço:

Gilson
Qual é a sua, Marivaldo, seu bosta? Tá com saudades da surra que eu te dei quando a gente era criança?

Gilson permanece parado na porta.

Os outros nove jogadores ficam pálidos e sem reação, Marivaldo o que mais parecia embasbacado com a situação, diz com certa dificuldade:

[plano médio dos jogadores atrás de marivaldo atônitos esperando a confusão]

Marivaldo
Do que você tá falando?

Gilson
Ué! Num tá lembrado, não? Estranho, dizem que é o cara que apanha quem nunca esquece! Você num jogou porra nenhuma e ainda ta aí, falando bosta pelos cotovelos... Tá mesmo é querendo levar outro cacete meu...

Um dos jogadores
Esquece isso, Gilson, o Valdinho fala demais, às vezes!



Marivaldo
Quem gosta de levar cacete, pau, rola, aqui, é você, seu viado do caralho!

Gilson
Sou viado, mas você num güenta... e vou acabar com a sua macheza é agora, seu filho d’uma puta!

[Geral de cima da confusão apontando a saída rápida e despercebida de Di, o capitão do time]

Gilson tenta acertar uma cabeçada no marivaldo, mas Tião Gordo consegue puxá-lo na hora.

Chega correndo Seu Damião, torcedor número um e roupeiro do time, gritando com todo mundo:

Seu Damião
¬Cês tão louco, seus filho d’uma rapariga? Que é? Vocês querem se quebrar? Querem se matar? Então, no próximo final de semana num tem nem jogo, né? Já era o festival

Os jogadores dispersam, Gilson vira as costas para marivaldo e senta em um dos bancos. Alguns Jogadores tiram Valdinho de cena. Outros ficam com o Gilson. Seu Damião, passa a mão na cabeça do camisa nove, artilheiro do time:

Seu Damião
Vai pra casa tomar um banho, garoto, relaxa! Se o time num perdeu hoje foi por sua causa... vai lá, toma um banho e descansa, vai?

Gilson
Brigado, Seu Damião, brigado!

FADE OUT.

CENA 1.3 - EXT./DIA/ RUA DA CASA DO GILSON.

Ao virar a esquina da rua onde mora, Gilson avista Diego encostado num poste. o capitão do time, já de roupa trocada e banho tomado, espera. Gilson caminha até Diego.

Gilson
Qualé, Di? Que que você quer?

Diego suspira e abaixa a cabeça.

Gilson
Porra, Di, o cara acabou com a minha raça, na frente do time inteiro, rolou o maior barraco lá, tinha uma pá de cara à minha volta, e você num fez merda nenhuma? Qual é, Di? Vai que cola um louco lá, que, só pra variar, num gosta de mim, se junta com o filho-da-puta do Marivaldo e decide me socar, ou me subir lá mesmo? Você num ia fazer nada, Di...

Diego anda atrás dele, em silêncio, murmura um começo de frase, mas a decepção de Gilson só aumenta.

Gilson
Você virou as costas e saiu andando, Di... que merda! Você me deixou lá, sozinho, no meio daquele puta barraco horroroso!


Diego
[resmungando]
Mas, precisava, Gilson?

Gilson
Precisava, ô, se precisava!


Gilson
[indignado]
Num fode, Di, o cara fala mal de mim pelos cotovelos, acaba comigo, você num faz porra nenhuma e ainda me pergunta se eu precisava me defender? Qual é, Di? Se eu num me defendo quem é que vai me defender? Você? Que me deixou lá, sozinho? Que virou as costas pra mim?


Gilson
[nervoso]
Ou você preferia que eu num fizesse nada, o cara me esculacha depois do puta jogo que eu fiz e eu ainda tenho que dizer amém pra ele? Vai pra puta-que-o-pariu, Di!

Diego segue Gilson, com passos tímidos, meio de lado, os olhos percorrendo toda a vizinhança:

Diego
Num precisa gritar, Gilson, eu ia...

Não consegue terminar a frase, Gilson se vira e fala bem baixinho, quase sussurrando:




Gilson
Que é Di, tá com vergonha de mim? Então por que cargas d’água veio até aqui?,

e espera uma resposta, mas não obtém:

Gilson
Ah! Você estava com vergonha, né? Ou era medo? Medo que eu me virasse no meio do barraco, chutasse o pau da barraca e contasse pra todo mundo que foi na minha cama que você passou a noite de ontem?

Diego, pálido e estático, Gilson segue e nem se vira pra falar:

Gilson
Sai fora, Di, eu não quero mais saber de você não... você me decepcionou demais hoje! Sai fora, vai!, e entrou em casa.

FADE OUT


LETREIRO - GILSON & NIKIMBA

FADE IN

CENA 2.1 – EXT. – NOITE - RUA DA LOJA DE ROUPAS ÍNTIMAS

Quatro garotos sobem um telhado pra conseguirem entrar numa loja de roupas íntimas. Pulam dentro dos fundos e arrombam a porta.

CENA 2.2 – INT. - NOITE - LOJA DE ROUPAS ÍNTIMAS

Os quatro garotos fazem algazarra com ceroulas, calcinhas e soutiens. Os três se divertem naquele lugar proibido para eles durante o expediente. Nikimba observa, de longe. Não perde seu tempo com criancices.

Nikimba
Vamos sair fora, já deu... já deu!

Os garotos saem da loja.

CENA 2.3 – EXT. – NOITE - RUA.

Com medo de encontrar um carro de policia no meio do caminho os quatro garotos apressam-se.

Nikimba
A arte do malandro é não dar sorte pro azar


CENA 2.4 – EXT. NOITE. CAMPINHO.

[Detalhe de fogueira e risos]. Os meninos ainda se divertem com as roupas intimas, embriagados de cola e pinga. Vestem pijamas, ceroulas e cuecas na cabeça.
Gilson aparece meio cambaleante. Iluminado pela fraca luz, de sutiã e calcinha brancos. Uma anágua branca na cabeça.

Gilson
Lá vem a noiva... tooooda de braaanco...

Nikimba levanta e lhe dá um soco na cara, derrubando-o.

Nikimba
Você é bicha, caralho?

Nenê e Gordinho se assustam.

Gilson se levanta rapidamente e senta num tijolinho afastado do grupo. Nikimba se senta num lugar escuro, de costas para os meninos. Gilson chora em silêncio de cabeça baixa. Apenas o sussurro das brasas da fogueira se faz ouvir. Limpa o sangue do nariz. Levanta-se sem olhar para ninguém. Agarra o saco preto cheio de calcinhas e sutiãs e sai andando.

CENA 2.5 – EXT – NOITE – ONIBUS.

[Geral com a câmera no chão do fundo do ônibus mostrando Gilson desfilando e brincando com os corrimãos do onibus e o saco preto no meio do caminho enquanto as pessoas vão passando pela catraca]

As pessoas que entram no ônibus deparam-se com um saco preto no meio do corredor. No banco ao lado, um monte de peças íntimas femininas. Peças novas, ainda com etiqueta. Gilson perambula pelo corredor. vestindo uma calcinha e um sutiã brancos por cima da roupa.
Algumas pessoas não dão atenção. Gilson percebe que alguém olha e para no corredor, mãos na cintura, cabeça levemente inclinada e sorriso bêbado. Os passageiros mais engraçadinhos ou mais mal-intencionados – todos homens - gracejam:

HOMEM
Olha que avião, na passarela! Parece a Luiza Brunet!

A criança ri generosamente Andando no corredor. Uma senhora, de cabelos em coque, chama Gilson para perto de si.

SENHORA
Pelo amor de Deus, minha filha, pega suas coisa e vai pra casa! Num fica andando assim por aí, não! Tem muito animal por aí que pode fazer mal a você...

O menino da uma rodada, daquelas que as modelos dão no final da passarela, e vira a cabeça para trás.

GILSON
O que foi que a senhora disse, Dona?,

Gilson Arruma o sutiã. A mulher tenta explicar:

SENHORA
Você já tá ficando mocinha, minha filha, se ficar por aí sozinha, desse jeito que você ta, pode vir um homem mau e fazer sabe lá Deus o que, com você! Pega as suas coisas e vai pra casa, vai, minha filha?

Gilson joga a cabeça pra trás e da uma sonora gargalhada. Pega suas coisas, tira a calcinha e o sutiã, e desce.

Gilson em frente ao ponto que acaba de descer

GILSON
Mocinha. Quer dizer que agora eu tô ficando mocinha?
[risadas]

FADE OUT


FADE IN

CENA 3.1 – INT. – NOITE – BANHEIRO DE GILSON

[Plano seqüência: close das mãos de Gilson mexendo no armário do banheiro e pegando o lápis de olho, detalhe das unhas bem feitas e limpas dele que fecha a porta do armário, plano médio do reflexo dele no espelho]
Gilson vestindo sua camisa de tecido preto, colada e transparente, se arrumando pra sair. Passa lápis nos olhos. Se olha no espelho, reflete.

GILSON
Delete, delete, delete, esquece isso, Gilson.

Sai do banheiro batendo a porta.

CENA 4.1 - EXT. – NOITE - RUA DA CONSOLAÇÃO

Gilson e Rebeca andam pela rua.

REBECA
Bichas burras... nós somos duas antas! Fica aí, falando mais do que a Hebe e, depois, perde o ponto de descer do ônibus! Agora vamos ter que andar quilômetros pra chegar lá... e esse sapato tá me apertando tanto, que daqui a pouco, as minhas bolas vão parar no pescoço! Ninguém merece!

REBECA
Eu falei que era melhor a gente ter ido lá na People? Pelo menos era mais perto... e lá a gente conhece todo mundo!

Gilson da dois passos à frente de Rebeca, nem se vira pra retrucar:

GILSON
Evolui, Rebeca, evolui! Hoje a noite é especial... Deus me livre passar mais uma noite, lá, com aquela gente feia! E aperta o passo, que a gente já tá quase chegando!

CENA 4.2 EXT. - NOITE - FRENTE DA BOATE

Pessoas na entrada da boate esperam na fila para entrar.

REBECA
Menina, você viu aquele gostosão da novela? Acabou de entrar na casa!

Sem conseguir disfarçar a empolgação. Alguns rostos se viram para eles.

REBECA
Gilson, eu tenho que entrar nessa balada de qualquer jeito! Já pensou, depois de um esbarrão, por acaso, a minha estória de Cinderela começando? Vamos, Gilson, vamos entrar, que eu quero ter um filho daquele homem!

REBECA
Quanta gente com cara de coisa importada, né, Gilson?


Na porta, dando as boas-vindas, esta a drag-queen mais badalada da cidade. Scarlet Montserrat. Ela e o cabeleireiro preferido dos artistas estavam casados, há 3 meses.
Na hora que Gilson e Rebeca estão pra entrar, Scarlet olha para os lados e diz:


SCARLET
A casa já está cheia, querido, tem uma lista de espera de duas horas!


SCARLET
Agora, não dá pra vocês dois entrarem...

Scarlet dança ao som da batida da pista que atravessa as grossas portas de madeira.

GILSON
Ah! É a nossa primeira vez aqui e somos só nós dois...

Argumenta Gilson, tentando convencer a Drag.

REBECA
É! A gente fica bem quietinha e promete deixar alguns homens bonitos pras outras!

SCARLET
Olha, se vocês quiserem, queridos, podem estar esperando... como eu falei a casa tá bombando hoje!

Enquanto fala Scarlet abre a porta para um casal entrar.
Rebeca abre meio metro de boca e olha para o amigo, pasma.
Gilson não acredita no que acabara de ver.

GILSON
Mas e esse casal que acabou de entrar?

A drag, ainda sem fixar os olhos neles, respondeu, no meio de um passo de dança:

SCARLET
Eles já estavam na casa, saíram pra pegar alguma coisa no carro e estão voltando... já falei: se quiser, espere.


GILSON
Olha Scarlet, eu conheço você há muito tempo, e quase num tô acreditando no que tô vendo! Isso que você está fazendo é discriminação...

A outra perdeu o passo da dança e de rabo de olho respondeu:

SCARLET
Olha, se você está achando ruim, pode ir embora lá pra não sei-de-onde-você-veio, que, aliás era o que você deveria ter feito desde a primeira vez em que eu te falei que a casa estava cheia, queridinha! Essa balada, não é pra todo mundo!

Rebeca, sabendo que o errado estava a um passo de ser feito, pegou o amigo pelo braço e falou com uma calma dissimulada:

REBECA
Gilson, vamos embora, vamos? Deixa isso pra lá, vamos embora!

Mas ele parecia nem ouvir. Chegou perto da drag, que já de costas e fala alto:

GILSON
Então, quer dizer que, agora, que você largou o michê, e num tem mais que pegar o Jardim Ângela lotado, pra voltar pra casa, fica aqui, de pavão, querendo ser mais do que todo mundo, Josafá?
Silêncio.

GILSON
Hein Jô-sa-fá?

Repetiu, encarando a drag, que conhecia desde os tempos em que fazia programa na região da República.

Scarlet se vira para Gilson com a cara mais amarela do mundo e fuzilando-o com o olhar, cochicha em seu ouvido, agarrando-o pela camisa:

SCARLET
Escuta aqui, sua bicha invejosa, eu não tenho nem idéia do que você está falando, nem de que buraco você saiu, mas aqui, no luxo, quem escolhe quem entra e quem não entra, sou eu! E na minha casa, gente feia e barraqueira, que nem você e seu comparsa, aí, nunca vão entrar...


SCARLET
[gritando]
Seguranças, vocês podem tirar esse mocinho daqui? Ele está me ameaçando...

Rebeca agarra Gilson pelo braço, Gilson se deixa arrastar, mas sem deixar de encarar Josafá, que continuava a agir como se nada tivesse acontecido ali, com um sorriso na boca.
Gilson e Rebeca dobram a rua

GILSON
Rebeca, pega um táxi naquele ponto e me espera, aqui, na esquina, vamos pra People. Eu deixei cair uma coisa, na fila da boate... vou lá buscar e já volto.

Rebeca obedece mesmo sabendo que vai acontecer alguma coisa. Gilson volta até Scarlet e chega por trás, pelo lado de fora da fila.

GILSON
A casa tá lotada, né?

¬
GILSON
Scarlet, maravilhosa?

A drag toda de branco virou-se pra ver quem lhe chamava. Gilson acerta uma cabeçada em Scarlet que cai com o nariz quebrado, Gilson acerta uma cabeçada nela. Todos correm para acolher Scarlet.

FADE OUT


Cena 5.1 - INT. - MANHÃ. CASA DE GILSON

Gilson dorme enquanto ouve-se sons de portas, panelas e rádio com volume alto. Era sua mãe pensando que havia algum homem ali com ele. Sai do quarto dirigindo-se para a cozinha:

GILSON
Que é isso, mãe, pelamor de Deus?

A mãe se vira para a pia e fala pra dentro

MÃE
Cê ainda tem coragem de falar de Deus, Gilson? Cê vive se enfiando com hômi, aí no seu quarto...

GILSON
Que hômi, mãe? Que hômi, o quê? Durmi sozinho essa noite!

MÃE
Cê ainda acha que pode falar de Deus, Gilson?

A mãe de Gilson se vira, apontando o bule de café, avisando o filho de que havia acabado de passar um café para ele. Vai em direção ao quarto, com a serenidade dos que se crêem livres de pecado.

[close da xícara e do bule em cima da mesa, Gilson enche a xícara]

GILSON
Mãe, eu sou tão filho de Deus, quanto a senhora, quanto o pastor da sua igreja e quanto o cachorro que tá passando aqui na frente de casa agora...

A mãe se tranca no quarto, e de lá continua falando:


MÃE
Jesus está voltando meu filho... e eu, sinto muito de saber que cê vai ser condenado pra sempre no fogo do inferno!

Gilson encosta a cabeça na porta do quarto da mãe e desabafa:

GILSON
Crente é foda! Faz o diabo a quatro na vida e depois, quando fica velho, entra pra igreja, senta em cima do rabo e fica apontando pro rabo dos outros! E vai dizer que tá errado?


[close de Gilson batendo a xícara na mesa]


MÃE
Você vai queimar no fogo do inferno...


FADE OUT


CENA 6.1 – INT. – DIA – BAR DA RUA A CAMINHO DA FEIRA

[plano seqüência: close do copo no balcão do bar sendo preenchido de cerveja, marivaldo pega o copo e anda em direção á entrada do bar onde Seu Damião esta encostado em pé do lado direito da porta, Seu Damião olha para direita ao perceber Gilson vindo].

CENA 6.2 - EXT. – DIA - RUA A CAMINHO DA FEIRA DE SÁBADO

No caminho da feira de sábado, onde toma o seu café da manhã, Gilson passa em frente ao bar do Bahia, ponto de encontro do pessoal do futebol. Quase todo o time vermelho esta lá.

SEU DAMIÃO
É amanhã, hein, Gilson? Vai marcar pelo menos um golzinho pra mim, num vai?

Gilson avista Marivaldo e atravessa para o outro lado da calçada.

MARIVALDO
Tá com pressa, Gilson?

disse Marivaldo atravessando a rua na direção de Gilson

GILSON
O que cê qué, Marivaldo? To indo na feira...

MARIVALDO
Ta indo na feira? Que foi? Acabou o seu estoque de mandioca?

Gilson tenta sair, mas Marivaldo o impede segurando-o pelo braço:

GILSON
Marivaldo, vai encher o saco de outro, vai? Que hoje eu não tô podendo!

Marivaldo segura Gilson pelo braço.

MARIVALDO
Escuta aqui, seu viado, filho-da-puta, eu num vô esquecer o que aconteceu naquele dia do jogo, não viu?

Gilson vira o rosto de lado.

MARIVALDO
E eu, se fosse você, tratava de ter mais cuidado quando andar por aí de noite que tem uma pá de gente que num tá gostando nada da sua valentia, e que tá louquinho pra subí seu gáis...

Uma mão negra solta o braço de Gilson. Diego chama Marivaldo pra uma conversa, do outro lado da rua.

Gilson fica paralisado, observando-os sem ouvir uma palavra do que diziam. Diego com o dedo em riste e Marivaldo de cabeça baixa. Diego volta pro lado de Gilson, dizendo:

¬

DIEGO
Esse daí num vai te incomodar nunca mais!

Marivaldo antes de subir a rua, em direção ao bar, da uma olhada de canto de olho para os dois, baixa a cabeça e começa a andar. Gilson tem companhia para o seu café da manhã na feira. O peito batuca esquisito. Passam a tarde juntos.


CENA 7.1 - INT. – NOITE - FESTA NO BAIRRO

Aniversário da Associação dos amigos do bairro. A Casa esta cheia de gente muito boa e de gente muito ruim. Gilson e Diego vão e ficam juntos durante a festa, algumas pessoas conhecidas fazem de conta que não os veêm. Como se fossem desconhecidos fazem uma grande roda no meio do salão com outros amigos gays.
Fora da roda todos olham de cara feia, mas estão juntos. No auge da felicidade, quando a festa estava chegando á metade da madrugada. Resolvem fazer um abraço coletivo. Gilson e Diego dão um selinho inocente. De repente são surpreendidos e levados aos chutes pra fora do salão.

CENA 7.2 – EXT. – NOITE – FRENTE DA FESTA

Três homens. Zoínho, Da lua e Marcelo, levam os dois para a rua. Três armas pra fora da calça. Duas delas apontadas para o rosto de Gilson. Outra pra cabeça de Diego.

UM DOS HOMENS
Cês são bicha, caráio?

Derrubam os dois no chão e começaram a chutar e a xingar:

UM DOS HOMENS
Seus viado, filho-da-puta! Vâmu subí o gáis de vocês.

Chutam mais e apontam as armas.

Nikimba sai da sede da associação e chega despercebido ao lado dos três homens que ainda estão de pé.

NIKIMBA
Cês tão loco, caráio! Vão zerá o Gílsu e o Diego? No dia da festa da Sedinha? Aqui na frente de todo mundo?

Nikimba permanece parado com a arma guardada na cintura olhando pros outros três. Gilson levanta e ajuda Diego a se Levantar. Zoínho ainda tenta argumentar:

ZOÍNHO
Tá certo, Nikimba, que ia ser o mó auê zerar essas duas bicha, em dia de festa, aqui na frente da sedinha, mas essas bicha do caráio deram mó mi, lá, na festa mano, jogando a viadáge deles na cara de todo mundo... pô, Nikimba, cê num viu, não?

NIKIMBA
Vai! Vaza todo Mundo!

NIKIMBA
Zóio, cê fica! Cê também Gilson.

Diego sai andando devagar e desconfiado, não esta disposto a deixar Gilson, sozinho com Nikimba, o cara mais sangue no olho da região.

GILSON
Me espera na minha rua, Diego... vai indo que eu já vou!

Diego ficou parado. Nikimba se vira pra ele e grita:

NIKIMBA
Cê num ouviu o que o cara falou, maluco? Vai... dá linha no seu pipa, doidão!

Diego ainda demorou um pouco, mas foi saindo. Nikimba, o chefe do crime de toda a Zona Sul da cidade, olhou para Zóinho e falou, baixinho:

¬NIKIMBA
Aê, ladrão, esse maluco aí.

aponta para Gilson

NIKIMBA
É um dos cara, junto com o Finado Gordinho e com o Finado Nenê, que pagou tudo os veneno que eu paguei na rua, quando era muleque, cê num lembra das estória que eu já te contei? Então!

Zóinho arregala os olhos desacreditando no que ouviu.

NIKIMBA
E você pode ter certeza, ladrão que assim como eu fiz com os filha-da-puta que mataram os dois, se alguém fizer alguma coisa pra esse cara aí... eu num vô descansá até mandá o arrombado pro inferno, tá ligado? Num interessa o que o maluco fáiz com a vida dele Zóio! O Gílsu, assim como o Finado Gordinho e o Finado Nenê, que Deus os tenha em bom lugar, é um irmão de rua meu, maluco!

Zoínho já se prepara pra pedir desculpa, quando Nikimba ordena como um pai faria:

NIKIMBA
Vai pra casa, vai Zóio, num pega nada!

E, passando a mão em sua cabeça, alertou:

NIKIMBA
Cê é um malandro de conceito, mano! Num é desses bico que fica por aí, dando sorte pro azar! Já pensou se eu num tivesse aqui? Ó o milho...

Zoínho sai. Gilson já se prepara para sair também. Nikimba pega em seu braço e olha fundo nos seus olhos:



NIKIMBA
Pêra aí, que ainda num terminei, Gílsu. Enquanto eu tiver por aqui, você pode ficar tranqüilo que malandro nenhum põe a mão em você. Eu quero te ver feliz Gílsu, e espero que o Diego possa te fazer feliz como eu não pude fazer, tá ligado? Agora, vai lá que o maluco tá te esperando... e vê se se cuida, firmeza? Amanhã eu te vejo lá no jogo...

Gilson não pronuncia nenhuma palavra e sai.

CENA 8.1 – EXT. – DIA – CAMPO DE FUTEBOL

Os barrancos ao lado do campo estavam lotados. Todo mundo do bairro queria ver a final do campeonato. Mas se alguém prestasse atenção no time vermelho perceberia que Gilson e Diego ainda não haviam chego.
Gilson e Diego chegam correndo atrasados, de uniforme e chuteiras, momentos antes do juiz dar o apito inicial.
São barrados pelo Seu Antenor, técnico dos vermelhos, que entra na frente dos dois e fala meio sem jeito:

SEU ANTENOR
Hoje vocês vão ficar no banco... a rapaziada se reuniu ontem no Bahia e decidiu que, depois do que aconteceu no outro jogo, o melhor para o time é que vocês dois não começassem jogando...

Se olham e continuam a ouvir, pacientemente.

SEU ANTENOR
Se a porca apertar e a gente tomar um gol, ou não marcar nenhum eu coloco vocês dois... mais tardar, na virada do segundo tempo.

Gilson, já ia dizendo alguma coisa, mas, Diego atalhou, segurando-o pelo ombro:

DI
Ué, Seu Antenor, ontem eu tava lá, no Bahia, e ninguém veio falar nada comigo! Eu já sei que papo é esse de banco pra gente... quer saber? Isso é trairagem que o Valdinho armou e que o time inteiro abraçou... e sabe o que mais, Seu Antenor? Bota o diabo no banco e quando o time tiver tomando um chocolate do tamanho de um trem, o Senhor chama ele pra jogar! Eu sempre achei o senhor um homem bom, Seu Antenor, e sempre te respeitei! Mas, depois dessa última, eu quero mais é que o senhor enfie todo o seu preconceito, junto com o time e o banco de reservas no rabo, seu Antenor, no rabo...e...

Gilson puxa Diego fala em seu ouvido:

GILSON
Já tá bom, Di, o velho já entendeu a nossa mensagem, agora vamos lá tomar uma cervejinha e assistir esse bando de perna-de-pau jogar bola!

O time vermelho perde. Com o apito final, o campo fica vazio para a entrega do troféu e comemoração do time visitante.

Gilson e Diego caminham pra casa, ainda de uniforme, passaram por Marivaldo, que caminhava inconsolável para o vestiário. Dessa vez, não teve ninguém pra segurar Gilson, que gritou:

GILSON
Ué! Cadê os gols Marivaldo? Eu pensei que era só o Diego e eu que ficaríamos de fora hoje... mas, pelo jeito, você também não jogou, né?

Diego puxa Gilson e o chama pra ir embora. Descem a rua a caminho de casa. Juntos






FIM









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